Com o tema do antirracismo, curso de PLPs propõe reflexões ao grupo de mulheres participantes

O 13° encontro do Curso de Promotoras Legais Populares (PLPs) retomou, em 2024, a atividade de formação realizada pelo Coletivo Juntas, em parceria com o Instituto Maria da Graça, desde junho do ano passado

Do lado esquerdo, uma mulher negra, de cabelos compridos e pretos, está sentada, com o braço direito dobrado, a mão no queixo e olhando para várias outras mulheres também sentadas num semi círculo. À sua frente, aparecem cinco mulheres também sentadas, que olham para a a que está na frente
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"Quando a gente fala em antirracismo, tem uma questão que é o anti. O que significa ser anti alguma coisa?". Foi com essa pergunta que a assistente social Kelly Amaral iniciou a reunião do Curso de PLPs realizada no sábado, 17/02.

Indicando que ser "anti" é ser contra, Kelly passou a provocar as participantes sobre o significado do racismo. Diante da pergunta "O que vocês entendem por racismo?", as respostas trouxeram desde as diferenças quanto à cor da pele e à raça até o fato de negras e negros serem julgados inferiores e incompetentes.

As participantes do Curso também lembraram o fato de as pessoas pretas terem mais dificuldade para arrumar emprego, terem salários menores, mesmo se têm mais conhecimento, além de passarem por discriminações e violências nas abordagens da mídia e da polícia.

"Ainda hoje, antes de vir para cá, quando estava passando o feed lá no Instagram, vi que uma pessoa estava acusando um senhor que tinha acabado de passar a faca nele, um homem negro e um senhor branco. Esse branco esfaqueou o homem negro. Aí o pessoal chamou a polícia. A polícia chegou e levou para o camburão o homem negro que foi esfaqueado e deixou o outro que cometeu o ato", contou Kelly**.

Como facilitadora dos debates, Kelly foi organizando as participações do grupo: "falamos também sobre as características do racismo, sobre lugares que julgam a gente, lugares que perseguem a gente, ficam de olho na gente, falamos sobre a impossibilidade muitas vezes de sair sem documentos, porque a pessoa pode ser confundida com um bandido a qualquer momento. E também a gente disse que isso vai além da diferença, está vinculado a uma maneira de desigualdade".

Racismo no Brasil
De acordo com Kelly Amaral, o racismo presente na estrutura da sociedade brasileira hoje é resultado de uma longa história de escravidão. "O Brasil foi o país que mais escravizou pessoas, em número e em tempo. Escravizou por mais tempo e num número muito grande".

"Quando essas pessoas foram sequestradas em África", explicou Kelly, "elas foram 'pegas no laço' como se pegassem um bicho, porque eram entendidas como bicho. Eram trazidas nos chamados navios negreiros, que vinham abarrotados, numa condição que muitas morriam no trajeto, eram estupradas, as mulheres eram mantidas nuas justamente para demonstrar esse corpo tão vulnerável". 

E a escravidão durou séculos. "Foi tanto tempo tentando provar que nós somos inferiores que esta visão de inferioridade se tornou naturalizada, tanto que até hoje a gente sofre com tudo isso", diz Kelly, citando: "se você tem um carrão, é traficante, se está de terno, é segurança ou pastor". 

Ser antirracista
Ela destacou que "o Brasil é este país, que tem a sua formação social com base na escravidão". Daí a importância de se ter um posicionamento e lutar: 

"Ser antirracista é ser contrário a quem é racista, eu sou contra essa pessoa, eu estou no lado oposto dessa pessoa que é racista, eu estou do lado oposto dessa instituição que é racista, eu vou lutar contra, eu vou protestar. Este é o meu posicionamento na vida, esse é o meu posicionamento enquanto pessoa".

Mas, para Kelly, o antirracismo vai além da "luta contra", deve ser também uma luta a favor, uma luta pela população negra e, especialmente, pelas mulheres negras. Mesmo que, às vezes, diante das dificuldades, tenha vontade de desistir, ela entende que não pode fazer isso, porque:

"Não é só a Kelly, são muitas mulheres pretas que podem vir comigo, e que a partir do lugar que eu consegui acessar de alguma forma, vem um monte de mulheres negras junto comigo. A gente é por nós, é uma pela outra". 

Quanto ao antirracismo das pessoas brancas, ela diz que deve se dar da mesma forma: "compreendendo essa desigualdade, essa estrutura desigual e sabendo que elas acessam os espaços de poder com muito mais frequência do que nós, precisam usar do lugar que elas estão para puxar as pessoas pretas. Se você chegou e tem alguma possibilidade de puxar pessoas pretas, é esse o seu lugar, é isso que você tem que fazer se você realmente se importa e está entendendo o que está acontecendo".

Kelly Amaral é assistente social na Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto e membra da direção do Conselho Regional de Serviço Social (CRESS). Mestre em Ciências da Saúde e Especialista em Estudos Marxistas e Violência Doméstica, Kelly também é Militante do Movimento Negro.

Sobre o caso do motoboy negro, Everton Henrique Goandete da Silva, detido pela Brigada Militar em Porto Alegre, veja mais informações em: "Homem negro detido no RS após facada diz que se sentiu 'um saco de lixo'; caso é investigado"

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